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Entre a justiça e a mídia: A prisão da advogada e influenciadora Deolane Bezerra

Entre a justiça e a mídia: A prisão da advogada e influenciadora Deolane Bezerra

Escrito por Lucas Eduardo Bagatin Ribeiro . João Pedro Ferraz Delgado . 18 . 09 . 2024 Publicado em Artigos

Por João Pedro Delgado e Lucas Eduardo Bagatin Ribeiro 

 Nos últimos dias tem sido amplamente divulgada a operação Integration da Polícia Civil de Pernambuco, que investiga a prática de jogos online e/ou casas de apostas digitais ilegais e lavagem de dinheiro por meio destas, na qual foram expedidos mandados de prisão para 19 suspeitos, dentre eles a advogada e influenciadora digital Deolane Bezerra e sua mãe, chamando a atenção para como as bets podem ser usadas para encobrir a origem de dinheiro ilegal. 

Alguns pontos merecem ser destacados quanto a prisão da influenciadora, isso porque ela ocorreu em virtude de mandado de prisão preventiva, e não em decorrência de um auto de prisão em flagrante. A diferença está no fato de que no caso de preventiva, a atuação do juiz que preside a audiência de custódia é reduzida a depender do Tribunal. 

Em relação ao Tribunal de Pernambuco, os juízes que presidem a audiência de custódia em casos de preventivas não podem entrar na análise da presença ou ausência dos requisitos legais desta prisão, portanto, eles não podem revogar a prisão, substituí-la por medidas cautelares, tampouco arbitrar fiança, pois a verificação dessas questões seria de competência do juízo que decretou a prisão preventiva. 

Por esse motivo a influenciadora permaneceu presa após a audiência de custódia. 

Passados alguns dias após a prisão veio a notícia de que Deolane havia tido a prisão preventiva convertida em domiciliar. A prisão domiciliar é concedida mediante determinadas condições, como por exemplo a proibição de deixar a residência sem autorização, recolhimento noturno, proibição de consumo de bebidas alcóolicas, entre outras, podendo ser revogada em caso de descumprimento de uma ou mais das condições estabelecidas. 

No caso da influenciadora, ela foi concedida com base no artigo 318-A do Código de Processo Penal, que prevê a possibilidade de conversão a mulheres que sejam mães (a influenciadora é mãe de uma criança menor de 12 anos) ou responsáveis por uma criança, e desde que os crimes investigados não sejam praticados nem contra filho nem contra dependente. 

Além disso, as condições impostas à Deolane para a concessão da medida eram que ela deveria usar tornozeleira eletrônica, não ter contato com os demais investigados e abster-se de se manifestar nas redes sociais, imprensa ou outros meios de comunicação.  

Todavia, tão logo deixou a prisão, imagens de todos os canais de televisão e plataformas das redes sociais mostraram seus seguidores carregando a influenciadora, que manifestava aos gritos sua indignação pela prisão, que ao seu entender, seria injusta e ilegal. 

Logo em seguida publicou uma imagem em suas redes sociais com a boca tampada, demonstrando, em tom de protesto, que havia sido silenciada pela Justiça através das medidas impostas. 

Essa atitude fez com que a juíza responsável pela concessão da cautelar determinasse a revogação da medida, e, em consequência, determinando novamente o recolhimento de Deolane à unidade prisional. 

O caso chama a atenção primeiramente por uma das condições impostas para a prisão domiciliar ser a proibição da influenciadora de se comunicar pela imprensa ou redes sociais. Essa condição pode se mostrar desproporcional, uma vez que a operação ainda se encontra em fase inicial, ou seja, a influenciadora sequer foi formalmente acusada. 

Além disso, a condição imposta restringe a influenciadora de um direito constitucional, qual seja o direito à liberdade de expressão, o que demandaria fundamentação sólida, além de que o mero fato de se comunicar com seu público não acarretaria prejuízos à ordem pública ou ao prosseguimento das investigações. 

Outro ponto que merece debate é que a condição imposta foi um tanto quanto genérica, causando relativismo quanto a interpretação em caso de descumprimento, surgindo a dúvida sobre se a proibição de manifestação à imprensa e redes sociais é geral e ampla (o que esbarraria no direito constitucional referido anteriormente), ou específica, impedindo-a de se manifestar apenas no que se refere ao objeto da investigação em andamento. 

Quanto a legalidade (ou não) da revogação da prisão domiciliar, o § 4º do artigo 282 do Código de Processo Penal estabelece que em caso de descumprimento das condições impostas, o juiz poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva. 

Pela norma verifica-se que a decretação da preventiva somente poderia ocorrer em último caso. 

Por outro lado, se as demais medidas cautelares diversas da prisão se mostrarem insuficientes porque a influenciadora deu mostras no caso concreto de que não cumprirá as condições impostas, poderá ser decretada a prisão preventiva. 

Independentemente do que fora determinado, a decisão deve ser justificada de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto e de forma individualizada, a fim de se evitar violação à direitos fundamentais da influenciadora.